quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Meias de dedinhos não afugentam os homens apaixonados

Uma das grandes diferenças entre eu e meu bairro é que ele enobreceu. Eu não.
Eu morava em um bairro onde conseguia jogar queimada na rua sem ser incomodada por nenhum carro e hoje moro em um bairro onde os restaurantes tem vallet park, padarias são gourmet e os pet shops fazem festa de cachorro. Sem sair do mesmo bairro.
Ou seja, ele ficou nojento e eu continuo pouco me fudendo.
Continuo andando com meu cachorro enquanto espero tintura do cabelo agir, de pijamas por baixo do moleton e muitas vezes esqueço de escovar os cabelos antes de sair com ele pela manhã.

E em um um bairro frufru, pensei com meus botões que se eu saísse assim...

(Esse é Simba, com vergonha por eu usar as
minhas meias de dedinhos rosa em publico)


...não teria grandes incômodos, fora os olhares atravessados das quarentonas boca-de-sapo-de-botox e das patricinhas glúten free à caminho da academia.
Ledo engano.

Estava quase chegando em casa sã e salva, fora os tombos do cachorro e as meia interações forçadas com donos de outros cães. Quando atravessando a última rua vejo um senhor de terno e com um urso embrulhado em um papel celofane na mão, acompanhado de um garotinho todo empacotado.
Ele se aproxima e diz:
- Moça, posso te pedir um favor?
Eu achei que ele fosse querer me vender uma rifa, ou me fazer comprar aquele ursinho horroroso. Mas não...
- Hum...
-Você pode entregar esse urso para uma pessoa ali na padaria? (A padaria gourmet cheia de gente nojenta)
- Oi???
- Sabe... Ela trabalha ali na padaria e eu não queria entregar...
- (tá se você não quer, eu muito menos) Manda ele entregar então. Apontei pro garotinho encapuzado.
- Não!!! Ele não pode entregar não, porque senão ela vai saber quem mandou...

Lembrei que eu estava com Simba e não hesitei em usar meu filho para me safar daquilo. Afinal, quem nunca? (não venham me dizer que nunca usaram filhos para se livrar de gente chata e/ou eventos monótonos.)

- Mas eu não posso entrar na padaria com o cachorro! Eu disse, abençoando a padaria por não ser  pet friendly. Coisa que metade das lojas já são.
- Ele segura para você! Apontando para o coitado do menino.

Ai eu já me preocupei. Imaginando uma máfia internacional de sequestro de labradores velhos e desastrados.

- Mas moço, ela vai estar ali no início ou eu vou ter que andar a padaria toda até no fundão para entregar?
- Olha moça, não vou mentir não. Acho que ela fica lá nos fundos, onde ficam os pães.
- Ah moço, desculpa, mas vou não!
- Pooooxa moça, por favor...
E nessa hora não passava nem uma alma, uma velha boazinha, nada.
- Ok, eu vou.
- Ah moooça, brigada, o nome dela é Shirl...
- Sheila tio! Disse o garoto, cobrindo a boca com mão como se só ele pudesse ouvir.
- Porra moço!!! Você não sabe nem o nome da mulher???
- Ai moça, eu tô nervoso!!!
Nessa hora eu achei até bonitinho... Mas disse:
- Isso não é presente de arrependimento não, né moço??? Se você aprontou eu não vou entregar não!
- Não é não moça, não é não... Vai lá Charley! vai lá com a moça para segurar o cachorro dela.
E lá fomos. Eu, Simba, Charley e o urso horroroso em direção à padaria.

Chegando lá perguntei quem era Sheila
- É aquela ali! Disse uma mulher apontando para uma outra, no caixa.
- Moça, é para você!
- Ahn brigada. (com muitos ‘n’s e ‘a’s  no fim das palavras)
- Não é meu não! O moço ali fora que mandou entregar.
E sai sem nem olhar para trás. Afinal, além de tudo eu parei a fila do caixa.
Na volta meu cão ainda estava lá. E Charley perguntou:
- O que ela disse?
- ela disse: ohn brigada.
- Só?
- Queria que ela desse também a cotação do dólar?
Ele riu, fez jóinha com as duas mãos e agradeceu sorrindo. E foi embora correndo contar para o sei lá quem.

O problema é que depois eu ia voltar para comprar pão. Mas pensei que talvez a padaria tenha duas Sheilas, afinal não é tão difícil, até o “É o Tchan” tinha... E eu tenha entregado para a errada e causado além de uma perda de dinheiro, alguma comoção entre os funcionários (vai que a Sheila que recebeu é a errada e além de tudo, casada com o manobrista do estacionamento, que estava ali, vendo tudo?).
Não quis confirmar a situação.


Fiz o bem, mas acabei comendo pão dormido.