segunda-feira, 10 de junho de 2013

Judith e Juan

Algumas pessoas dizem que eu sou louca. Mas se elas soubessem o que acontece comigo, diriam que eu sou até bem normal.
E dessa vez, eu juro, eu só peguei um ônibus.
Estava eu sentadinha num lugar qualquer, mas que infelizmente fica de frente para aqueles assentos que ficam virados ao contrario no ônibus.
Tudo igual a qualquer dia, até então. O motorista correndo, gente reclamando, toques de celular de quadradinho de oito (não reclamo. A pessoa poderia inventar de ouvir a musica inteira, e sem o fone de ouvido.)
Até que o ônibus passa em uma escola e entra um menino. Meio gordinho e espinhento. Normal também para um adolescente.
Senta na minha frente. Isso, naquela situação significava realmente de frente para mim.
Eu fiz o que sempre faço no ônibus.
Ignorei.
Acreditando que ele fosse fazer o mesmo. Como geralmente fazem, a não ser que sejam velhas ou trombadinhas querendo te assaltar.
Mas me enganei.
- Oi.
(- hã?)
- Você vai descer no terminal de Carapina ou no de Laranjeiras?
- Olha, na verdade eu vou descer no próximo ponto.
- Ahhhh que bom!
(- hã?)
- Sabe... Eu gosto muito desse lugar que você está sentada. Você senta de frente, sabe? Fica com o vento na cara e se der sorte e não tiver ninguém na sua frente até pode esticar as pernas e ir apreciando a paisagem... E vou te falar, o melhor horário pra pegar ônibus é entre 10 e 11 horas, dá pra relaxar bastante...
- (Não, não sei. Não considero o ônibus um lugar de descanso.) Ah é? Que bom.
- Qual o seu nome?
- (ma oeee?) Judith.
- O meu é Juan.
Me deu a mão em cumprimento e continuou a falar como se não houvesse amanhã.
- Sabe... Na minha sala tem uma Judith. Mas você não se parece com ela... Sabe porquê?
- Porque eu sou mais velha?
Nessa hora a menina que estava retocando o kolene no cabelo até riu. O carinha com boné de aba reta deu uma mini gargalhada. Mas o Juan ignorou.
- Não. Porque ela é muito, mas muito, mas muito, mas muiiito (nessa hora ele juntou a mão na boca e apertou os olhos pra da uma real noção do quão muito qualquer coisa a menina era, e fiquei até com medo de chegar o meu ponto e não descobrir, porque achei que ele não ia parar de falar "muito")... mas muuuuito burra!
- Hum... Eu não sou burra.
- Claro que não é!!! Ela também é meio chata sabe. Daquelas meninas que se acham...
- Hum.
- Mas em uma coisa ela parece com você... Ela é bonita. Acho que é por isso que ela se acha, sabe?
- Sei não...
- Mas ela é burra demais. Não sabe contar até dez.
- Mas aposto que sabe dizer não e já disse pra você.
Dessa vez o menino do boné de aba reta fez até pffff e disse "ai". A menina do cabelo de kolene olhou pro Juan esperando a resposta dele. Porque a essa altura, nosso diálogo estava quase sendo transmitido pela BBC, tamanha a curiosidade do ônibus todo. 
Mas o Juan tinha uma capacidade de ignorar pessoas ainda melhor que a minha, pena que não a usou comigo. Simplesmente nem ouviu o ai do mister-aba-reta e respondeu como se eu fosse a unica pessoa ali e  nós estivéssemos sentados na praça tomando um refrigerante:
- Deeeus me livre de querer alguma coisa com a Judith...
- Hum.
- Ela é burra. E sabe de uma coisa? Eu acho que não vai melhorar não...
- Coitada dela, né?
- Uhum. Vai morrer burra e chata.
- Pois é... E vai ficar velha... 
  ...Que nem eu. 
E ri meio cúmplice. Entendendo a paixão recalcada do Juan pela Judith. Porque, né? Quem nunca?
- É... mas você não é burra. E ainda é bonita.
- Mesmo que velha né? Acho então que estou melhor que a sua Judith.
- Ô. 
E depois de um período em Nárnia - porque aparentemente se passaram 30 anos em 500 metros - chega meu ponto e eu levanto. Ele levanta junto, porque afinal não podia perder o melhor lugar do ônibus. E senta no meu lugar. Eu fico de costas pra ele e percebo que está todo mundo sorrindo no ônibus.
Mas Juan não satisfeito me cutuca no braço. Eu olho e ele estende a mão de novo. Pega minha mão, dá um beijo nela e se despede.
- Tchau, tia!

Eu ficaria brava. Se não tivesse rido tanto.
Assim como todo mundo daquele lugar.
E foi bom terminar o dia fazendo 50 pessoas sorrirem.

Mas acho que o melhor mesmo, foi saber que eu sou uma Judith melhorzinha que a do Juan.