Uma das grandes diferenças entre eu e meu bairro é que ele
enobreceu. Eu não.
Eu morava em um bairro onde conseguia jogar queimada na rua
sem ser incomodada por nenhum carro e hoje moro em um bairro onde os
restaurantes tem vallet park, padarias são gourmet e os pet shops fazem festa
de cachorro. Sem sair do mesmo bairro.
Ou seja, ele ficou nojento e eu continuo pouco me fudendo.
Continuo
andando com meu cachorro enquanto espero tintura do cabelo agir, de pijamas por baixo do moleton e muitas vezes esqueço de escovar os cabelos antes de sair com ele pela manhã.
E em um um bairro
frufru, pensei com meus botões que se eu saísse assim...
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(Esse é Simba, com vergonha por eu usar as
minhas meias de dedinhos rosa em publico) |
...não teria grandes incômodos, fora os olhares atravessados
das quarentonas boca-de-sapo-de-botox e das patricinhas glúten free à caminho
da academia.
Estava quase chegando em casa sã e salva, fora os tombos do
cachorro e as meia interações forçadas com donos de outros cães. Quando
atravessando a última rua vejo um senhor de terno e com um urso embrulhado em
um papel celofane na mão, acompanhado de um garotinho todo empacotado.
- Moça, posso te pedir um favor?
Eu achei que ele fosse querer me vender uma rifa, ou me
fazer comprar aquele ursinho horroroso. Mas não...
-Você pode entregar esse urso para uma pessoa ali na
padaria? (A padaria gourmet cheia de gente nojenta)
- Sabe... Ela trabalha ali na padaria e eu não queria
entregar...
- (tá se você não quer, eu muito menos) Manda ele entregar
então. Apontei pro garotinho encapuzado.
- Não!!! Ele não pode entregar não, porque senão ela vai
saber quem mandou...
Lembrei que eu estava com Simba e não hesitei em usar meu
filho para me safar daquilo. Afinal, quem nunca? (não venham me dizer que nunca
usaram filhos para se livrar de gente chata e/ou eventos monótonos.)
- Mas eu não posso entrar na padaria com o cachorro! Eu disse,
abençoando a padaria por não ser pet
friendly. Coisa que metade das lojas já são.
- Ele segura para você! Apontando para o coitado do menino.
Ai eu já me preocupei. Imaginando uma máfia internacional de
sequestro de labradores velhos e desastrados.
- Mas moço, ela vai estar ali no início ou eu vou ter que
andar a padaria toda até no fundão para entregar?
- Olha moça, não vou mentir não. Acho que ela fica lá nos
fundos, onde ficam os pães.
- Ah moço, desculpa, mas vou não!
- Pooooxa moça, por favor...
E nessa hora não passava nem uma alma, uma velha boazinha, nada.
- Ah moooça, brigada, o nome dela é Shirl...
- Sheila tio! Disse o garoto, cobrindo a boca com mão como se só
ele pudesse ouvir.
- Porra moço!!! Você não sabe nem o nome da mulher???
- Ai moça, eu tô nervoso!!!
Nessa hora eu achei até bonitinho... Mas disse:
- Isso não é presente de arrependimento não, né moço??? Se
você aprontou eu não vou entregar não!
- Não é não moça, não é não... Vai lá Charley! vai lá com a
moça para segurar o cachorro dela.
E lá fomos. Eu, Simba, Charley e o urso horroroso em direção
à padaria.
Chegando lá perguntei quem era Sheila
- É aquela ali! Disse uma mulher apontando para uma outra,
no caixa.
- Ahn brigada. (com muitos ‘n’s e ‘a’s no fim das palavras)
- Não é meu não! O moço ali fora que mandou entregar.
E sai sem nem olhar para trás. Afinal, além de tudo eu parei
a fila do caixa.
Na volta meu cão ainda estava lá. E Charley perguntou:
- ela disse: ohn brigada.
- Queria que ela desse também a cotação do dólar?
Ele riu, fez jóinha com as duas mãos e agradeceu sorrindo. E
foi embora correndo contar para o sei lá quem.
O problema é que depois eu ia voltar para comprar pão. Mas
pensei que talvez a padaria tenha duas Sheilas, afinal não é tão difícil, até o
“É o Tchan” tinha... E eu tenha entregado para a errada e causado além de uma
perda de dinheiro, alguma comoção entre os funcionários (vai que a Sheila que recebeu é a errada e além de tudo, casada com o manobrista do estacionamento, que estava ali, vendo tudo?).
Não quis confirmar a situação.
Fiz o bem, mas acabei comendo pão dormido.